Dois palcos, duas medidas


Quero fazer algumas comparações. Por favor, não se atenha aos gostos musicais citados, e vamos lá!

A cantora Anitta normalmente chama em seus shows algum rapaz para subir ao palco e dançar a música "Pretin" com ela. Cada um deles que sobe acaba sendo um tipo de herói aos outros, o "fodão". Dependendo do seu desempenho ao lado da cantora, é "o cara que quase comeu a Anitta". Cantores do gênero masculino como Luan Santana e Lucas Lucco costumam fazer o mesmo, chamando mulheres para dançarem alguma música especial ao lado deles no palco. Dessa vez, contudo, dependendo do desempenho da moça, ela é a "puta", a que "tá louca pra dar pra ele, olha lá que horror".

Dados os exemplos e a comparação implícita, vale comentar aqui que recentemente circulou (e ainda deve circular, não sei) um vídeo de uma festa de determinado curso da Universidade Federal de Pelotas onde uma moça sobe ao palco e começa a dançar. Ela estava bêbada? Não me interessa. Como era a roupa dela? Tanto faz. Ela dançou exageradamente? Não importa pra mim. O fato é que a moça acabou massacrada por muitos nas redes sociais. Aparentemente, subir em um palco e dançar, bêbada ou sóbria, é um grande crime contra a honra alheia. É um absurdo, inclusive acho que ela nem poderá ser mãe de família um dia, certo?

Circulam ainda boatos de que outra moça foi estuprada nessa mesma festa. Agora adivinhem qual dos dois assuntos tomou maiores proporções? A dança no palco, claro. Até onde vai a verdade e a mentira das duas histórias? Não sei, confesso. O que temos de real, porém, são todos comentários em pleno século 21 que circulam pela internet em tom de julgamento e ofensa. O que é real é a falta de vida própria para cuidar e a visão pré-histórica de que "a mulher deve se preservar, valorizar a sua dignidade". Em outras palavras, ainda há quem procure "uma dama na rua, é uma puta na cama (?)".

Vivemos em um país supostamente livre, um país em que é bonito desfilar sem roupa na avenida durante o carnaval, mas feio dançar no palco de uma festa. Um país que julga outro país onde as mulheres são obrigadas a usarem roupas que as cubram por completo, mas que oferece uma liberdade disfarçada às suas próprias mulheres. Um país que passa a imagem de libertador, do "pode tudo", mas que está parado em alguma década mais careta que os nossos bisavós. E é por isso que uma mulher dançando em um palco deve ofender tanta gente: ser feliz (bêbado ou não) e dono de si incomoda.

Uma mulher que dança no palco, que dança na festa, na rua, onde ela bem entender, não é menos mulher. Uma mulher que toma atitude para conquistar um homem não é menos mulher. Uma mulher que trabalha em um escritório de dia e à noite quer apenas dançar, não é menos mulher.

"Ah, Camila, mas então tu tá dizendo que pode tudo, que horror". Quase isso. Eu levo basicamente três regras essenciais para a vida: uma pessoa não pode matar, roubar ou faltar com respeito aos outros. E o resto? Bom, cada um sabe de si - exceto aqueles que vivem para quererem saber somente dos outros, claro.

Infelizmente, há pouco já havia escrito aqui sobre o machismo. Uma pena ter de escrever novamente. É aquela velha história da mulher que apenas é feliz e, por consequência, puta. É isso, o mundo nos quer tristes e escondidas. Ele nos quer contidas e "preservadas". Que haja sempre uma mulher para dizer que vai, sim, subir no palco e resistir, por favor. Porque de porradas já nos bastam aquelas no palco do dia a dia da vida.

Ainda hoje, ser mulher é mais ou menos isso: dois palcos, duas medidas.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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