Os passos no espinho



"Eu era a bailarina pobre pertencente ao corpo de ballet mais rico. Eu era a menina que só tinha mãe em meios às princesas que todos conheciam os pais. Eu só queria dançar...

Minha mãe dizia: “Isabella, você nasceu bailarina”. Segundo ela, a primeira vez em que me levaram para os seus braços, eu mexia minhas pequenas mãos com leveza, como se quisesse dançar. Quando passávamos por algumas vitrines, eu apontava para sapatilhas que nem entendia ainda para que fins serviam. E, quando o rádio tocava músicas clássicas, dizia ela que eu parava atenta como se quisesse entrar no ritmo daquela melodia.

Todas as noites, por quase duas horas, treinava escondida. Na verdade, escondida em partes. Um dia, numa dessas minhas tentativas de ser melhor do que eu mesma, Juan, meu professor - que nunca apreciou minha dança -, estava parado observando-me. Olhei assustada para ele após ter uma queda, pensando em explicações que sequer existiam. A cena falava por si: eu queria marcar o chão com o suor do meu esforço.

– Quebrou o pé, bailarina? – ouvi a voz zombar de mim logo após a queda.
– Não foi para tanto. – respondi com a voz cheia de dor.
– Faltou leveza no seu passo. – disse-me dando as costas.
– Não. Falta leveza em mim. – falei baixinho.

Eu sabia que não tinha pés de bailarina. Mas eu era consciente dos pesos que carregava nas costas, dos acúmulos de amores e dores que rimavam em mim e da vida fora de uma corte rica que levei. Acostumei-me a fazer muitos passos de pés descalços e sorria enquanto dançava. Elas diziam, de forma esnobe, que eu era diferente.

Certo dia liguei para minha mãe tarde da noite com os olhos cheios de lágrimas contidas.

– Mãe... – disse com a voz falhando.
– O quê foi, minha filha? – perguntou-me com preocupação.
– Ah, mãe... Eu não nasci para ser como eles.
– Claro que não, Isabella. Você nasceu para ser mais.
– Quem disse, mãe, quem disse? – eu perguntava com lágrimas escorrendo e desolada.
– Os seus passos são lindos, minha filha...
– Eles são pesados, mãe. Eu não sou leve como uma bailarina!
– Ah, minha menina... Você salta, gira, flexiona e faz tudo mais como se tivessem espinhos nos seus pés. Claro que você não é leve, não flutua o tempo inteiro. É claro que a sua vida lhe maltratou, mesmo você não merecendo. Mas, Isabella, você não enxerga mesmo a sua diferença nisso tudo?
– Não, mãe...
– Elas pisam em ovos seriamente, com um “quê” de medo. Você se joga em espinhos sorrindo, cheinha de coragem. Você, Isabella, é a bailarina que melhor dança a dor.

Ela tinha razão: os meus passos nunca seriam iguais, e isso não seria defeito nem morte, mas virtude e vitória. Eu dançava a dor com sorrisos na alma."
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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