Acordei e você já não estava mais ali.
O apartamento não é grande, um quarto e sala que daria para te achar fácil-fácil. Nada, nem sombra sua apareceu para me assustar. Há um fantasma, mas não era ele quem eu procurava.
Às vezes um bilhete faz bem, um papel amassado e velho que seja, um "porque" deixado, um "até mais" ou "nunca mais". Qualquer coisa que, de repente, indique uma possível volta, dessas que nós cansamos de esperar, mas sentimos que valem a pena. Dessas como eu e você. A sua letra teria me feito bem. Mas que coisa, não? Você já não estava ali e eu não soube lidar com a cama vazia ainda com o seu cheiro nela. Daqui a uma semana quem sabe isso pareça normal, vou lavar os lençois e o seu cheiro se vai deles, mas de mim ainda não inventaram sabonete forte o bastante. Ficou um cheiro de amor vagabundo que, embora vagabundo, todo dinheiro do mundo não compra. A cama vazia de todos os dias já não era a mesma, isso eu não poderia negar.
Eu ia ali na esquina comprar pão, fazer um café, sei que você come essas coisas antes de sair para a rua. Saiu mesmo de barriga vazia? Por quê? Eu só fico me perguntando: por quê? Minha cama é confortável, é daquelas ortopédicas e tudo mais, você até elogiou ela uma vez, lembra? Eu lembro. Se não é a cama o problema, então sou eu. Só pode ser eu, porque, cá entre nós, sempre sou eu. Coloco toda minha a energia em coisas que nunca amanhecem comigo, tipo você. A culpa é partilhada, provavelmente.
Voltando atrás, no tempo que você não ficou eu teria feito coisas incríveis para nós dois. Eu, logo eu que nunca faço essas tais "coisas incríveis". E não me pergunta também o que é isso, eu até procurei no Google dias atrás para ver se conseguia ser melhor por nós, mas não deu tempo, dormimos e foi até bom, posso ter certeza. Acho que é minha mania de estranhar o mundo e não ter estranhado você. Sei lá, parecia tudo certo, aquelas enganações e peças que a vida prega na gente, sabe? Você foi armadilha e eu estava ali, no lugar errado na hora errado. Mas juro: parecia correto.
Enfim, venhamos e convenhamos, o meu quarto não é mesmo lá essas coisas, minhas paredes são riscadas porque não suporto tudo muito visualmente limpo, mas são na medida certa, porque também não suporto tudo muito poluído. Vê meu coração agora: todo poluído. Isso dá uma raiva, uma vontade de rasgar o jogo de cama, colocar fogo e avisar os vizinhos que não estou enlouquecendo: estou apenas me livrando de nós, pois é meu direito viver em paz.
Por que você foi embora antes de se despedir mesmo? Meu café é tão bom... Eu nem sei cozinhar, mas o café já te conquistaria. Ou eu te conquistaria. Como vamos saber? Você levantou cedo demais e eu sigo preso no pesadelo.
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