A princesa despida da ilusão




Teve uma vez, quando ela era pequena ainda, que o pai a pegou no colo e falou diversas frases bonitas apenas para lhe dizer o quanto era linda. A mãe a olhava com orgulho e a enfeitava de sonhos bonitos. Até liam para ela de vez em quando. O mundo podia não ser assim tão bonito - porque ele nunca é -, mas nos seus pensamentos ingênuos e inexperientes ele era próximo a um conto de fadas. Era a princesa. Seu pai era o mais honroso dos reis e sua mãe a mais feliz das rainhas. Tudo era tão real. O mundo lá fora continuava bonito. Apesar de não ter pisado nele ainda, nunca passou na sua cabeça alguma maldade que pudesse vir a existir. Ora, era criança e cheia de sonhos. Queria participar de festas magníficas onde todos a olhariam com os olhos brilhando. Teria aniversários cheios de amor em família e amigos que a segurariam pela mão quando se desequilibrasse andando de patins. Quem sabe o destino até lhe reservasse um lindo príncipe.

Seu castelo era protegido demais. Um dia, os muros caíram. Cresceu. Conheceu o lado de fora. Ficou cara a cara com o lado feio do mundo. Viu condes, duquesas e populações inteiras a olhando muito diferente dos seus sonhos. Descobriu da pior forma que nem tudo é bonito como parece, que nem todos são como dizem ser. Onde estava seu pai honrando a família e sua mãe sorrindo com toda sinceridade? Na realidade, isso nunca existiu. A imaginação pregou uma peça nela, pobre menina. A mão dos amigos não estava ali quando a vida lhe empurrou de penhascos, nem quando caiu de patins. Onde estava seu lindo sonho? Onde estava seu conto de fadas? Sonhar não era bom, decidiu. Sonhar, para ser mais exata, era uma merda. Agora era pesadelo. Desprotegida como estava, descobriu que a família real também se reveste de mentiras. O que restaria à pobre moça que fora tão feliz um dia? O que você diria se a visse andando por uma rua perdida e perigosa? Olhando naqueles olhos desiludidos, você teria coragem de machucá-la mais ou vez ou aumentar sua bolsa de mentiras dizendo que o mundo poderia ser bonito outra vez? Ela tinha um palpite: você sequer a olharia. Você nem iria notar que as lágrimas secaram e o sorriso ficou escondido demais. Ela iria passar como uma sombra que você nem reparou.

Ela não esperava mais príncipes, nem amigos, nem família real alguma. Ela já sabe que o mundo é feito do lado avesso de toda bondade. Demorou um bocado para aprender que os livros e filmes não condizem com a realidade. Ela vive sozinha demais e não sabe por que diabos tem um cigarro na mão. Princesas não deveriam fumar, pensou alto. Princesas não estariam com um tênis velho e uma calça perdendo a cor, pensou de novo. Princesas são irreais, sentenciou. Era plebeia, perdida, desiludida, sonhadora dos sonhos falsos e amante da vida que nunca viveu. Era ela, sem saber como se é de verdade alguém. Menina, onde está o seu castelo? Caído, invadido, queimado. No seu último aniversário não vestiu um lindo vestido, não recebeu mil convidados e nem teve bonitos rapazes a disputando para uma dança. Amanheceu chorando. Pesadelos, como sempre. Recebeu alguns poucos abraços recheados de uma certa obrigação que não entendeu muito bem. Dormiu chorando, agora sabendo bem o motivo.

Um dia, inocentemente, desejou voltar ao colo do pai sob o olhar orgulhoso da mãe e a proteção da porta de casa. Um dia pediu que fosse apenas uma princesa pobre, mas feliz. Outro dia desejou mesmo apenas ser feliz. Apenas, nada mais. Nas quedas que levou da vida, aprendeu que o maior dos contos é sobreviver. Irônico, ninguém entendeu quando ela apareceu sorrindo. Mais do que irônico: decidiu que se a vida não lhe desse um conto de fadas, ela mesma faria. E assim, depois de sonhar, idealizar, ter o sonho roubado, ser desiludida e iludir a si mesma numa bela manhã, decidiu que seria feliz na marra! Está aprendendo o jeito certo da vida. Muito bem, menina. Hoje ela está por aí, sem o colo do pai, sem o orgulho da mãe, sem a mão de algum amigo e sem o príncipe, que no máximo será sapo. Mas está. Em algum lugar, ela está. E se a vida não for tão cheia de amor como sonhou, ela inventa.

Ela é uma princesa e mal sabe disso. Ela tem o sorriso mais brilhante do mundo e ninguém lhe contou. Menina, você é a coisa que mais reluz quando passa na rua com esse caminhar atrapalhado de quem aprendeu a andar sozinha. Pobre dos que não sonham como ela. Hey, menina, sonhe mais, você não sabe o quanto essa vida pode ser maravilhosa vivendo de dentro para fora. Menina, você tem a doçura exata de uma estrela de cinema e o cheiro perfeito como uma rosa desabrochando. Parabéns, essas suas marcas de decepção te levaram a mais encantada das vidas. Então, vá! Com esse tênis velho, essa calça perdendo a cor e essa confiança que nunca deu as caras antes, vá em frente que a vida já chamou faz tempo.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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1 comentários:

  1. Parabéns são belos textos!
    Li praticamente todos e me encantei com a forma que escreve.
    Permaneça tocando nossas almas com suas palavras.

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