Era só uma semana ruim


Era a luta de todo dia contra o despertador. Eu mal dormi, pensou como pensava todos os dias. Não queria levantar. Mas levantou. Levantou porque a grana anda curta e o trabalho não é fácil, porque o chefe não faz nada e só cuida a hora, porque a cama era fria demais sem alguém do lado dela, porque quem sabe ela tropeçasse com o amor da sua vida  e então algo novo pudesse acontecer. O café acabou. Sem café não dá, resmungava. Tomou banho e acreditava ser uma das poucas pessoas que fazia isso decentemente no seu andar do escritório.

O café, o café, lembrava-se a todo momento no caminho para o trabalho. Algum relógio interno dizia que sem café não dava para fingir que a secretaria vestia-se bem, que o chefe fazia boas piadas e que as fotos dos filhos do colega da mesa ao lado eram muito bonitas. A sonolência a fazia sincera, e sinceridade era proibido! Tinha o café para comprar, o vício por roupas para alimentar, o parcelamento do carro para pagar e a tão sonhada - e demorada - viagem para Nova York para patrocinar. Sinceridade no ambiente de trabalho, definitivamente, era proibido! Estacionou o carro na quadra lateral porque ele era novo, foi sofrido e sabia bem da inveja que a Lucinha do terceiro andar da empresa tinha com tudo.

Olá dona Andréa, disse o porteiro com o habitual ar de segundas intenções. Ah, não, hoje não dá para fingir que não sei que ele quase me come com os olhos da forma mais nojenta possível todos os dias, pensou enquanto respondia um "olá" apressado como quem precisa desativar uma bomba em dez segundos. Logo no elevador tinha que encontrar o "casal sorriso" da empresa? Conheceram-se lá, namoraram sete meses e casaram. Não havia histórico de briga entre os dois. Por mais que Andréa sentisse certa inveja de não ter um homem tão bonito assim na sua vida também, detestava o mel entre os dois. Não suportou participar de qualquer diálogo com eles naquele elevador. Morro sozinha, mas não morro engasgada com mel, dizia para si mesma os observando sem nem fazer questão de ser discreta. Tratou de evaporar o mais rápido do elevador e correr em direção à sala do café. Por favor, esteja vazia, esteja vazia, torcia ela. Estava vazia. Ufa, o café é todo dela!

Perdeu a conta dos minutos que ficou ali sentada tomando o seu café. Esses momentos tranquilos eram raros, tão raros que foram interrompidos pela velha piada do seu chefe insinuando que a noite havia sido muito boa para ela precisar de café logo cedo. Não, a noite foi uma vendo filme depressivo, torcendo para alguém agradável e lúcido como eu trabalhar nessa empresa e, de preferência, com certo nível de beleza, respondia internamente depois de sorrir discretamente fingindo achar graça. Sentada na sua mesa desconfortável e analisando uma pilha inútil de papéis que os outros naquele departamento não tinham capacidade para analisar, sabia que a secretária estava jogando charme - apesar de ter um hálito horrendo - para o rapaz bonito que aguardava para ser atendido e que o colega da mesa da frente fingia saber ler documentos em inglês enquanto buscava um tradutor eficiente na internet. Era um local fajuto, sujo e insuportável, mas ela continuava precisando do dinheiro. Na verdade, nem era tão ruim assim trabalhar ali, mas hoje, aliás, nessa semana, ela não tinha paciência nem quando a mãe ligava convidando para almoçar na sexta-feira a noite. Como assim, ela pensa mesmo que eu não tenho ninguém para sair? E sabia que a mãe estava certa. Agradeceu milhares de vezes por estar na hora de ir embora, forçou despedidas e desejos de boa noite a todos quando tudo o que queria era mandar pararem com aquilo pois ninguém gostava nem do cheiro um do outro lá dentro.

Foi para casa. Lembrou-se rapidamente das compras e desistiu delas na mesma hora. Não é dia para se pegar fila, convencia-se. Não é dia para nada. Jantou sozinha, chorou com a novela e foi dormir. Quando colocou a cabeça no travesseiro, sentiu-se tão suja quanto todos que dividiram o dia com ela. Sentiu-se suja por só pensar na parte ruim de cada um e por querer mandar todos longe quando ela, somente ela, tinha culpa pelo tédio repetitivo que a própria vida andava. Pobre Andréa. Mal sabia ela que por dentro eram todos sujos. Todos que agora ela sentia culpa por tanto julgar, tinham mais sujeira escondida do que ela poderia ter. Ela tinha apenas esses lapsos contra o mundo. Mas era uma moça boa. A semana que estava ruim. Era uma moça boa esperando um amor, um emprego melhor, uma viagem, um acontecimento qualquer. Dorme, moça, dorme que amanhã os ventos sempre podem mudar.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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