Para você, do décimo segundo andar

"Quero te escrever uma carta bonita, contando alguma história cheia de cores e frases encaixadas, mas sou tão escuro e errado, meu bem! Sou tendencioso à tragédia e me assusta te contagiar com ela. Ainda que possamos transformá-la numa coisa bonita, numa tragédia à moda antiga, tenho medo por ti.

Veja bem, estou no último andar deste alto prédio bem no meio da cidade. O dia está se indo e o sol saindo um pouquinho tímido. Poderia eu, agora, contar-lhe tudo isso e dizer que lá embaixo um lindo casal de velhinhos passa de braços dados numa calma desigual. Mas seria tudo mentira. Se passam, nem os enxergo. De amor, entendo apenas de nós; enxergo apenas nós.

A verdade – que talvez lhe assuste – é que olho pra baixo pensando na queda livre. Deve ser emocionante! Neste momento você me acha um completo louco, não é? Sei que preferias ter outro melhor batendo em tua porta, e confesso que tento me fazer melhor, mas não consigo. Quando lhe conto essas histórias sempre com uma face triste, quero mesmo é que você sorria ao fim de cada uma e me ofereça um café quentinho para falarmos do cansaço do dia. Eu conto a história triste para você trocar de assunto.

Todo mundo passando na rua parece uma formiga minúscula daqui. Sabe, meu bem, às vezes penso que a vida é assim: somos todos formigas pequenas demais. E por que, então, colocamos tanta importância em nós? Importante é você, eu, eu e você. O resto é pouco. O resto não sabe mais nem me fazer cócegas. Você é quem me traz todos os efeitos e sensações.

Agora a sinaleira fechou lá embaixo. Os carros vivem apressados, você não acha? Quase passam uns por cima dos outros. Eu os olho daqui e percebo a insignificância deles também. Ah, quer sabe, meu bem? Depois de nós, o mundo é um grande nada! O mundo tem essas janelas envidraçadas como essa que me cerca e são todos uns palhaços por verem somente o reflexo dela, e nunca o através. Eu gosto de olhar o através, creio que já tenhas reparado. O reflexo me dói, sabia? Ele vem como uma bola de fogo. O reflexo assusta-me, causa arrepios. Causa mais arrepios ainda quando não o enxergo, e me pergunto: onde estou? E é tão difícil me achar!

Antes que te deprimas comigo, vou acabar por aqui, até porque penso que já me perdi nas palavras, como sempre acontece. Prepare o café, estou chegando. Prepare nossa conversa mais acolhedora e sinta arrepios pela minha espera. Estou indo, meu bem. Vou sair de perto dessa janela para ao invés de me jogar dela, jogar-me em teus braços, que me são muito mais quentes e apaziguadores. Aguarde-me, não demoro.

Do teu amor triste e iludido por voar,

de mim, muito sem nome que chegue à altura de ti."
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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