A rosa da despedida

Deparei-me com a porta estrategicamente aberta e a atravessei. No chão havia uma rosa vermelha muito bonita sendo iluminada pelo pouco sol que ultrapassava a cortina. Agachei-me e a peguei. Um espinho espetou-me. Sim, uma rosa tão bela tinha espinhos. Segui adentrando o apartamento. Algumas roupas no caminho, um prato em cima da pequena mesinha da sala e o abajur no canto ligado, quase perdendo a sua força. Tudo ali parecia estar carente de força, inclusive eu. Cheguei ao quarto. Vazio. Escuro. Igual à face do dono; tudo dramaticamente próprio dele. Porém, tentava eu acreditar que era mais uma daquelas cenas teatrais que o via protagonizar vez ou outra porque, segundo ele, “a vida era parada demais”. As gavetas estavam quase todas vazias, restava apenas uma camisa branca que eu muito apreciava. Senti nela o cheiro ainda vivo dele. Olhei mais um pouco em volta e achei o que não queria: uma carta no lugar do travesseiro de sua cama. Temendo, ou, quem sabe, esperando mais uma das suas loucas declarações, abri. A tinta da caneta parecia recente, talvez ele estivesse até em algum café me esperando para rirmos de toda essa dramaticidade. Lembrei-me, então, de como ele andava questionando a si mesmo e do quanto o seu olhar perdia o brilho dia após dia, reacendendo apenas ao ver minha chegada. Por certos dias, dizia-me que não queria me contagiar: estava triste, mas eu merecia estar feliz. E eu sempre quis compartilhar da tristeza dele. Comecei a ler a carta, esperando o momento onde ele me diria em que local encontrá-lo.

“Meu jardim, achaste a carta, então? Esta hora já percorreste o apartamento vazio e quase escuro, não é mesmo? E tenho certeza de que você, meu jardim, também já reparou na falta das minhas roupas no armário. Peço com atenção: não te desespera! Agora, a partir de agora, estarei a te observar de cima, muito de cima, em meio a um céu azul e nuvens. Entenda, jardim meu, parti porque não floria mais. Eu era apenas espinhos, flores mortas, grama seca, seca demais. Eu estava morrendo e até a água me sufocava ao invés de me ressuscitar. Se fiquei tanto, foi por ti. Você estendeu minhas forças até aqui. Preciso, entretanto, livrar-me de ser um fardo de mim – e daqui um tempo, seria até para ti. Quis sempre te ver florir, ganhar cores e brilhos, e nunca morrer ao lado meu nesta minha terra árida de vida. És tão bem contigo, e espero que melhores ainda mais sem mim. Eu não podia mais, jardim, eu não podia brincar de vida. Num dado momento, a gente escolhe jogar sério com a morte, e não brincar de pique-esconde com a vida. Você me entende, sei que entende. Minhas roupas entreguei para aqueles mendigos da esquina, lembra-se deles? Ah, meu jardim, a gente tem que se livrar dessas coisas materiais mesmo! Mas a sua camisa preferida está aí, e vista quando a saudade corroer ou outro corpo te tocar, mostre a ele que todos passam, mas eu, aqui de cima, fico. E a rosa na porta, meu jardim, era para você lembrar que também há espinhos escondidos nas coisas bonitas. Cuidado. A vida por aqui sempre foi estranha, você bem sabe, mas torcerei fervorosamente que seja imensamente melhor e mais longa para você. Viver não é tão ruim assim, sabia? Eu que me cansei, exaustei-me. Mas veja bem, ainda seremos o mais bonito reencontro dos céus. O mais intenso reencontrar que já se terá ouvido falar. Aqui, nas nuvens branquinhas, seremos muito mais eternos. Você virá, uma hora você também virá. Mas não se apresse, jardim, eu espero pacientemente. Aproveite e tome cafés por mim. Adoce a vida e não amargue o coração. Fique comigo, jardim, fique sempre comigo."

Não houve piada ou drama irreal. Dessa vez, o regador que me trazia água todos os dias, havia partido. Mas como há de viver um jardim sem a sua água preferida? Eu também era, de agora em diante, uma rosa cheia de espinhos.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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