Eu pensei que a tolerância havia morrido e as pequenices da vida estavam esquecidas. Mas há sempre uma cena que rejuvenesce a nossa esperança.
Com o sol forte, a fila do ônibus virou uma confusão. Uns disputando a sombra com os outros. Em plena temporada de férias, lá estavam os nervos aflorados de todo mundo e lá se ia a educação que, suponho eu, já mal existe. Então, um rapaz engrossou a voz para mandar o início da fila colaborar com o resto dela. Pediu educação sem ter educação. Uma senhora, calmamente, resolveu alertá-lo de que era impossível colaborar mais - e realmente era. O rapaz, um tanto dono da verdade demais, não pensou duas vezes ao repreender a senhora. Uma cena típica dos dias atuais. A falta de gentileza nem marca mais horário. E parecia que não havia novidades naquela cena toda.
Enquanto isso, uma moça esperava por alguém próxima ao ponto. Olhava o relógio muitas vezes. Pensava eu que deveria ser alguém especial.
O ônibus finalmente chegou e as primeiras pessoas começaram a deixá-lo. Entre as últimas delas alguém atrai uns olhares a mais: um jovem com um buquê de flores. Ele ia um tanto atrapalhado entre o buquê e a própria mochila que carregava. Imediatamente, os olhos da moça que o aguardava do lado de fora começaram a brilhar. Eu entendi que ela o esperava, e ele já havia achado quem queria não naquele ponto esperando por ele, mas em algum outro dia em um encontro muito bonito da vida. Ela sorria, um riso nervoso, inesperado, mas apaixonado. Ele tentava suprir a falta de jeito com as flores e a situação com o gesto mais próprio. Não, ele não a beijou primeiramente: ele a abraçou. Porque os abraços são muitos mais do que os beijos. Os abraços unem qualquer alma. E ela correspondia ao abraço fortemente enquanto muitos em volta pararam o que faziam, desfizeram os semblantes sérios e distraídos para ver o que quase não se vê: o amor colocado em prática. Sem palavras, beijos ou gritos, o amor estava ali, naquele abraço. Soltaram-se e ele entregou a ela o buquê, falando algo rapidamente que mal deu para entender. Ela o pegou e parecia não lembrar mais nem onde estava. Eles sequer repararam nas pessoas que os observavam sorrindo e, certamente, admirando e até pensando nos buquês que não receberam ou deixaram de dar.
Eu sei que a vida não é um simples buquê de flores. Sei que às vezes muitos de nós acabamos por nos alterar em meio ao dia que cansa demais e cada um sabe da sua própria exaustão, é verdade. Mas havia algo naquelas pessoas olhando a cena que demonstrava o quanto cada um queria o seu buquê, fosse de quem fosse. Demonstrava que por mais carrancudas que fossem, esperavam as flores na sua vida. E um abraço também.
Não iremos ganhar flores todos os dias - nem dos outros e nem da vida. Não iremos celebrar o amor ou a gentileza em cada amanhecer, assim como sobreviveremos a muitos dias que parecerão impossíveis, mesmo sem uma mão para nos segurar. Não iremos ser um jardim. Mas bem que podemos distribuir as nossas flores em cada olhar, todo santo e cansativo dia. E quando menos se vê, a vida já está mais bonita. E a esperança de sermos maiores com o que é pequeno, vai crescendo aqui dentro.
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