Entre hipérboles e estrelas


Nós não merecemos o dia. Somos mero embrulho do que a noite tem para dar, um presente da lua, uma constelação tímida e escondida, dona de uma luz apenas noturna. O dia nos cansa, desgasta; pela noite o humor está mais calmo e as palavras mais comedidas.

Somos um par totalmente desalinhado, sonhador entre janelas e cortinas fechadas, esperando passar a luz que machuca os nossos olhos. Somos treva de tão tristes e cachoeira de tão límpidos. Somos simples e livres: vagamos pelo dia e nos encontramos pela noite como se nunca tivéssemos nos largado. Perambulamos muito na esperança de termos para onde voltar.

Fomos feitos para as ligações desesperadas.

“– Alô.
– Já tomou café hoje?
– Já, mais cedo. Agora é hora de dormir, você reparou?
– Não consigo dormir. Não quero.
– Um café?
– Necessito.
– No meio da noite?
– Foi um dia daqueles…
– Está bem, um café.”

A minha insônia distraindo o teu sono, e vice-versa.

Somos perdões, porque você hoje quer ser melhor para mim e não pode, e eu ontem quis te dar o dia, mas ele não nos pertence. Quase somos incapazes daquela velha história romântica de vamos-fazer-o-outro-feliz. Nós damos atenção mesmo à tristeza e a espantamos com dois peitos dilacerados e duas vidas meio rejeitadas - pelo dia, pelos olhos dos outros, pelos fatos da vida.

Embaixo da minha cama há cartas que não te entreguei e releio apenas à noite. Escrever por si só já me cria buracos demais, reler é um exercício que poderia ser feito unicamente na calada da noite, no último suspiro do dia. Releio para pegar no sono quando o sol se colocar a nascer. Enquanto isso, você revira na sua cama, esfrega os olhos, rabisca cadernos, conta os dias sem dormir… Enquanto a noite passa, nós ficamos.

Hoje, se você não me perdoar por te amar e não saber ser amor, por te encontrar e nunca te trazer comigo, por querer cuidar e te espetar, posso passar a noite naquela antiga ponte e me atirar quando ver o sol. Hoje, se você não ler todas as cartas acumuladas, se não tomar comigo uma xícara de café ao telefone, se não me contar do desespero que foi o seu dia, eu posso atear fogo em todos os amantes comportados e felizes. Hoje, se o exagero não nos manter acordados frente a frente, eu posso morrer. Lendo isso você diz:

“Ah, que bobagem… Você morreria logo no primeiro “se”, minha flor.”

Eu morreria logo no primeiro dia. Pois somos noite, e a noite tem um ar dramático, apagado, de agora ou nunca, tal como o nosso riso ao se encontrar.
Que belas hipérboles a nossa noite carrega!
Que belo par de estrelas nós somos…
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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