Se eu tivesse uma canção


Imagino algum cantor que compôs uma música especial. Uma música para alguém especial. A tal pessoa, aparentemente, passou, a história foi sendo arrastada pelo tempo e a música era apenas a música, sem exatamente vir à tona a história que carregava consigo. A música, então, faz um sucesso estrondoso, toca nas rádios, na televisão, vira o coral mais entonado dos shows daquele cantor. Ele, profissional que é, canta como sempre cantará todas as músicas que a sua voz souber alcançar os tons.

Um dia, porém, a história bate na porta outra vez. Ela ressurge, renasce quase lá das cinzas e deixa vivo o que se pensou estar morto, trazendo de volta ao cantor aquela mesma emoção de quando sentou e compôs a letra que entrara para a sua história. Ninguém além dele precisaria saber o que ou quem há naquela canção, o coração que chora em segredo, canta sorrindo. Ele vira um intérprete de si mesmo.

Mas quando a história volta o cantor fica descompassado. Então, no seu primeiro show após o baque da campainha anunciando o retorno, imagino eu que seja tudo completamente diferente. O público inteiro faz um coro e pede aquela, exatamente aquela, a que dó mais e cada um sente do seu jeito adaptando a sua própria história. A canção que feriu a pele inteira daquele cara lá em cima com o microfone na mão. A velha e sempre recente canção. A pele arrepia, a garganta sente um nó e ele não tem muito tempo para lembranças amargas ou felizes. Um artista não pode deixar o seu público na mão, e ele respira fundo e pede baixinho para aguentar o tranco. Ele a canta como nunca antes havia cantando. A câmera traiçoeira pega ali no cantinho do olho uma lágrima que amanhã será capa de muitos jornais, revistas e sites, porque aquela letra nunca havia doído tanto. Aquele homem do palco vira homem como todos nós, tendo sua história em segredo e compondo músicas para dizer o que uma conversa inteira olho no olho nunca foi capaz. Ele sabe que voltará para casa e as coisas ainda estarão fora do lugar. Porque se precisa de muito mais do que uma música para passar tudo a limpo. Toda a força dele se esvaiu na voz que não cantava, mas praticamente gritava o que quer que ele tenha escrito algum dia. Ele agora interpreta a vida real.

Eu não estou enrolando com uma loucura qualquer que tenha passado pela minha cabeça. Eu estou tentando dizer que escrevi muitas e muitas coisas, algumas não lembro nem se são minhas de fato quando as releio depois de um tempo grande, mas você é a minha canção que a platéia inteira pede.

Está entendendo tudo? Você é a minha velha canção; doerá toda vez que eu reler.

Antes fosse uma simples página do livro.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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