Era pôquer ou éramos nós?

Tão impessoais os nossos verbos e distantes as nossas ações. Verifique se não está me esquecendo na caixa de e-mail, no correio de voz do celular, na caixinha do correio da sua casa. Veja bem se não está me largando pelos cantos.

"As cartas estão na mesa". Você achou que era assim que se iniciava uma conversa, mesmo sendo uma daquelas que não se sabe bem onde vai dar e muito menos o que se quer com ela. Falou como se fosse um jogo de pôquer, o dinheiro estivesse ao lado, a bebida na mão esquerda e o cigarro na mão direita. Falou de nós como "cartas na mesa" e dois adversários. Enquanto isso, chovia lá fora. Eu conseguia ouvir os pingos batendo na janela e o cachorro do vizinho chorando ao relento. Quase me juntei a ele, formaríamos uma boa dupla de abandonados na chuva, mas você queria falar, e se não queria, pelo menos continuava muda e parada naquela porta entre a cozinha e a sala que já protagonizaram momentos mais felizes.

E começou o jogo. Você me acertava, dava uma cartada boa e eu rebatia. Meus erros acabavam nos teus e o empate era tão óbvio. Dois burros, insensíveis, cegos, idiotas. Dois que eram um e não viam que estavam se cortando ao meio com uma serra barulhenta. Mas eu era o cara e você a garota que precisava falar, e foi assim que permiti ser.

"Olha, não é falta de amor". Minha fala mais serena. Você deveria pega-la no colo, acariciar e devolver o carinho. Mas não, você não podia ser dócil, no amor não há espaço para os dóceis. Eu era como o cão solitário que continuava na chuva e você o dono que sequer estava em casa para salva-lo de se assustar os trovões. As cartas, pelo visto, continuavam ali jogando na nossa cara que tentar amenizar o estrago era perda de tempo.

Então você quis saber finalmente saber: "se não é falta de amor, isso aqui é o quê?" Por "isso aqui", creio eu, você estava se referindo a nós e a nossa situação ridícula como um todo na sexta-feira mais fria do ano mesmo que os termômetros me desmentissem.

Eu te respondi. Porque no pôquer e no amor só os covardes perdem. Eu não queria perder, em nenhum dos dois, não dessa vez. "Isso aqui é você me esquecendo em alguma caixa antiga e me deixando mofar com os outros amores quando eu ainda quero ser o porta-retrato ao lado da tua cama". Não entendeu, foi embora sem entender.

Agora, talvez eu esteja na sua secretária eletrônica ou até na porta da sua casa outra vez esperando você chegar não sei de onde para falar não sei o que sobre o que você não entendeu. Talvez eu esteja por aí, tentando entender por mim mesmo porque os verbos passam de primeira pessoa do plural para o impessoal, entre cartas na mesa e cartas no fundo de caixas.

Essa cidade nunca foi tão grande marcando a nossa distância.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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