Paguei a conta, mas não você

Entramos e sentamos na mesa do canto. A escoha foi sua, você quem apontou para ela com jeito de quem não aceitaria outro lugar daquele extenso salão cheio de mesas do restaurante. Eu ia até te dizer coisas bonitas naquele jantar. Ia, não fossem as mudanças no roteiro da noite.

Primeira cena que avistei da nossa mesa: o casal na mesa do centro. Parecia que elees haviam medido os espaços e concluído que ali exatamente o centro e ali se sentariam, sem se esconderem, sem rosnarem para o garçom ou fecharem a cara para as outras mesas. Eles sequer enxergavam qualquer outra coisa, não deviam nem saber se o copo continha água ou vinho antes do líquido tocar a boca. Eles se viam como eu reparei que nós não nos víamos. Os apaixonados se reparam, meu bem.

"Pode escolher, a noite é sua". Foi minha tentativa de gentileza. Eu escolheria a bebida, sempre entendi disso, mas a comida estava por sua conta. Era um tipo de acordo que não se precisa aperto de mãos, entende? Você não entendeu. "Escolhe o que você quiser, não achei muitas opções no cardápio". Fria, você estava envolta em uma grande camada de gelo e eu ainda não tinha martelos suficientes em mãos para quebra-los ou cobertores para me juntar. O garçom muito educamente nos sugeriu o prato do dia. "Vocês só tem isso?". Desdenho, a sua voz continha desdenho e eu pude notar o quase olhar de pena do garçom para mim enquanto eu, constrangido, sorria com o canto da boca em um silencioso pedido de desculpas a ele. Eu mal sabia que a pena dele por mim diria muita coisa.

O garçom se dirigia à cozinha com o nosso pedido depois de eu fazer uma escolha o mais rápido possível. Coisa simples com medo de você reclamar disso-ou-daquilo. Aquelas escolhas previsíveis, sem riscos, chatas. O tipo de escolha que não faz uma noite inesquecível. O garçom estava distraído, provavelmente lamentando pela minha companhia, acho que ele conhecia tipos como você, embora eu tenha medo de nominar tipos como você.  Passando pela mesa do casal do centro que conversava em tom baixo, mas visivelmente alegre, ele não viu o outro garçom. O estrago aconteceu: uma bandeja no chão e uma garrafa de água voando no casal. "Ferrou tudo", pensei. Claro, eu estava treinado: você sairia do sério porque qualquer coisa que não funcionasse perfeitamente logo lhe tirava do sério. 

Você não entendeu a reação deles tão passional.

Eles riram da cena e deixaram para lá.

Você permaneceu séria balançando a cabeça negativamente para o acidente.

Eu ri e te deixei para lá.

O garçom cheio de experiência deveria ter me avisado que com você o jantar é azedo antes mesmo da comida chegar.
 
Você deveria ter entendido que eu precisava um pouquinho só do seu riso. Mas precisar do sorriso do outro, às vezes, é suicídio.

A conta eu pago. Você eu deixo.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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1 comentários:

  1. Ai, Cah... você me deixa muda, você faz meu coração parar, você faz meu peito suspirar, você faz meus olhos chorarem. Você faz em mim mil coisas quando escreve. Quando fala. Quando olha. Quando se cala.
    Te amo demais. ♥

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