Eu te adiei, mas te escrevi


"- Obrigada por atender...
- Eu sempre atendo, você sabe.
- É que é tarde e... vai que você estivesse com alguém.
- Eu estou. Contigo. Agora.
- Não, não desse jeito.
- E você queria?
- O quê?
- Desse jeito.?
- É tarde...
- É.
- E mal começou."

Depois você desligou. Deu aquela desculpa da água fervendo no fogão e eu, que sempre te atendi, mais uma vez não te entendi. Sobrou eu e o outro lado mudo da linha, eu e minhas dúvidas. Eu e a nossa mania de brincar.

Todas as nossas conversas tem esse ar de "deixa pra amanhã". De tempos em tempos chego a pensar que é hoje, mas o calendário me confunde. Confesso que também andei por outras estradas deixando a nossa brincadeira mais séria para uma data distante, qualquer uma que não fosse preciso encarar de frente. Aquele "é tarde" fez um grande eco na minha cabeça e eu fico me perguntando agora: é tarde? Brincamos com o tempo, brincamos com olhos de quem sente medo da própria brincadeira e logo ali na esquina pode ser pego pelo destino. E se ele nos pegar, a gente topa ou foge?

Procurei um velho texto que é somente seu, nunca foi de mais ninguém. Até agora não achei, sinto que ele foi andar pelo mundo com as asas que nós criamos sem saber. Enquanto isso, nossos pés estão fincados no chão loucos para voarem também, e eu não sei até onde você quer ir... Se quer continuar procurando a minha mão mesmo sem querer numa noite qualquer como aquela ou se ainda tem medo de me encontrar demais como eu também tenho. Todos aqueles sinais que ignoramos, todos os comentários de amigos que despistamos... Quem nós queríamos enganar além de nós mesmos?

Se quer saber, não é em canções antigas que te procuro, porque somos o que há de mais novo. O passado já nos fechou demais nos mesmos quartos escuros onde os nossos olhos nunca se encontraram, é isso que nos condena: eu preciso te enxergar com a claridade de quem decifra o que vê. Eu preciso aprender a te ler sem trocar os parágrafos. De agora em diante eu pediria ao mundo que nos oferecesse o futuro, e mesmo assim, que ainda nos baste o presente.

No fim, acredito que sempre me apaixonei por você em todas as vezes que te vi, mesmo que em rostos estranhos, mesmo que fosse teu cheiro numa rua perdida, tua voz num sonho sem sentido ou aquele casaco igual ao seu passando sem ser no teu corpo. Eu te reconheci, em cada detalhe de outrem, em cada vida que não era a sua: para mim, sempre foi você. Agora a brincadeira nos pegou do avesso, sem humor para piadas de romances com erros de novela das nove. Eu não sei o que a gente faz. De qualquer forma, gostaria que fizéssemos.

Passe outra vez, pode ser que hoje seja "amanhã".
Você é o meu texto adiado... E preferido.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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