Relato de um par de olhos que brilham

O que são as coisas/situações/pessoas quando passam por nós sem nos transformarem? Qual a função da vida, senão transformar? E quem somos nós, então, se não nos deixarmos transformar?

Do mais novo ao mais velho: nunca sabemos se estamos fazendo as escolhas certas. Escolher, por si só, já deixa as pernas bambas. Eu quero, porque preciso - e, às vezes, precisar é mais forte ainda do que querer -, refletir sobre as escolhas que fiz. Enxergar, ponderar, reconhecer, projetar, lembrar.

Acho que estou no caminho certo. Sim, "acho". Certa vez uma professora recomendou que nunca falássemos "acho", pois precisamos ter convicção do que estamos falando. Vou usar o conselho numa entrevista de emprego, na apresentação do meu tcc, em algum discurso por aí. Agora não, eu não posso. Convicção da vida, de verdade, "acho" que nunca terei. E até gosto da dúvida, do questionamento, do porém, dessa hipótese de me contradizer.

Mas por que acho que estou no caminho certo? Porque esse caminho me transformou e me transforma rotineiramente. Desde a hora em que acordo até o momento em que durmo: as minhas escolhas estão me transformando. Isso me leva a acreditar e sentir que meus passos não são tão vagos como pensei e que a minha cabeça não é tão desorientada como parece. Isso me leva a crer em ser amanhã melhor do que sou hoje.

Entrei num posto de saúde e uma mãe gritava desesperadamente, sem se importar com quem a visse tão frágil e exposta naquele instante, tão sem chão. A frase ainda ecoa na minha cabeça: "por que com o meu filho?". O filho de dois anos havia se afogado e não havia mais nada a fazer. Sentei em frente a uma mãe que teve o filho assassinado quase que por ser bom demais e ela, em meios aos choros e às lembranças, disse que perdoa os assassinos. Vi e ouvi de perto a situação de moradores que, sem mais nem menos, estão sendo obrigados a deixarem as suas residências para cederem a área ao governo. O que eles lamentavam? O Natal. Não poderia sequer pensar em montar a árvore por não saberem nem se duraria até a data ou se tratores passariam por cima de suas casas como se fossem ar. Um senhor de 88 anos fabrica e conserta brinquedos há 30 para doar às crianças carentes no Natal. É o verdadeiro Papai Noel, abraça e acolhe a todos com o seu próprio esforço e dinheiro. Ele é sentimental, não aguentou ver crianças pobres passando frio e brincando com madeira em pleno inverno gaúcho na beira do mar.

Todas as pessoas acima tiveram as suas vidas transformadas, pelo bem ou pelo mal. Acompanhá-las, vê-las, presenciá-las sem nem saber o seu rumo em algumas vezes, transformou algo em mim. Há um divisor de água em todos nós. Ouvir o eco de uma mãe desesperada pelo filho morto ou assistir a felicidade de um homem em ajudar o próximo, cada caso à sua maneira, impacta as minhas escolhas. Impacta os meus "quereres" e "saberes". Dói ver a tragédia. Dói não poder fazer quase nada. Assim como alegra ver a bondade, o amor. E transforma.

Eu escolhi o caminho de acompanhar essas histórias, de me deparar com elas e, com ou sem reação, encará-las. Eu escolhi porque escolhi, por destino, teimosia, paixão ou até Deus. Quão triste é ser um médico e não se comover em salvar uma vida? Quão triste é construir um prédio e não querer pisar em cada andar para sentir orgulho? Quão triste é escolher um caminho e não se comover, não se permitir ser transformado pelos desafios e ser outro a cada dia? Um outro diferente, renovado, seduzido pela possibilidade de se impactar. Nem sempre feliz ao fim do dia, mas sempre outro.

Minha arma é a palavra. É o que entendo, por talento, repetição, dom, técnica. Até por distração: não sei. É o que tenho para oferecer na hora em que a minha escolha me para, chega frente a frente e me diz para reagir. A vida não vale um centavo parada no mesmo estágio por mais de 24h e paga para ver até onde aguentamos ir; subir ou descer montanhas é a metáfora preferida.

Eu não sou médica. Não sou engenheira, advogada, política, comerciante, empresária, professora. Na bem da verdade, eu ainda não sou nada. Sou apenas um par de olhos em uma sala de aula a brilhar com a chance de ser algo. Sou a vida a me transformar. E quando esses olhos brilham é que sei: o caminho está no caminho, redundante, oscilante, e ponto final. Amanhã, pode ser que o impacto e o caminho sejam outros. Mas que sejam... Que aconteçam e transformem.

Em meio aos erros e tropeços, parece que acertei. Antes de dormir posso pensar: "é mais ou menos por aí". Enquanto as minhas escolhas me transformarem, o caminho é adiante. É avante. É com dor ou alegria, mas em frente.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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3 comentários:

  1. Eu sei que em alguma hora a implosão/explosão de textos e pretextos aí dentro é tão grande que você para, aquieta, cala. E quando o silêncio for um direito ou um dever, uma imposição ou uma escolha, uma causa ou consequência, eu, ela, eles, todos, ainda vamos observar e notar o eco das palavras que você até pode não dizer/escrever, mas ainda serão tão suas, personalíssimas, que ninguém, nem você vai precisar de rótulo e descrição pra ver que tem seu nome. Tu é a mistura de pequena e grande, desastrada e certa que não importa a dose ou efeito colateral, até quando dói e cutuca, assenta e cura. Te cuida, menina-mulher.

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  2. Belo texto, me inspirou de certa forma.

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