Hoje, escrevo sobre perspectivas. Ou, quem sabe, a falta delas. Qualquer coisa assim. Se antes muito se falava na crise dos 30 e, principalmente, dos 40, hoje o que se escuta é a tal “crise dos 20 e poucos anos”. Porque lógico, antigamente esperava-se que a vida tomasse um rumo só lá pelos 30, ou que aos 40 tudo estivesse consolidado e, então, quem tivesse suas crises poderia se reinventar. Mas o mundo mudou. Nós mudamos. Convenhamos, com a internet tornando tudo ao alcance da mão, quem não tem sucesso aos 20 e poucos?
Veja bem, você seguiu o roteiro certinho: estudou, conseguiu uma vaga na universidade, passou por bons estágios e até empregos que pessoas mais experientes teriam inveja, você conquistou o diploma e tem um currículo que, em tese, pode lhe abrir várias portas. Você tem os seus 20 e poucos, 20 e alguma coisa, seguiu à risca o roteiro perfeito dos sonhos dos seus pais e da sociedade em si, mas e agora? E o depois? O que a gente faz?
Descobri que não sou a única a fazer essas perguntas. Descobri que conheço pelo menos uns 15 amigos próximos (ou até mais, se ampliarmos para os “conhecidos”) que se perguntam diariamente a mesma coisa: e agora? Parece que já fizemos tudo aquilo que era programado, mas que, na verdade, queremos o que não fora programado. Queremos mais. Dia desses alguém na mesma confusão mental me disse: “não sei o que eu quero, mas sei o que não quero”. Outra amiga também falou: “acho que quero tentar algo diferente”. Estamos descobrindo que ainda não descobrimos tudo, que quatro ou cinco anos em uma faculdade não é suficiente, mas isso não é sinônimo de preguiça ou de que somos idealistas demais. Mas tem um peso, tudo isso tem um peso que nós conhecemos, admitimos, ainda que lá no fundo da alma para não doer tanto a covardia de não mudar, mas que, de fato, nem todos entendem.
Então, seus pais lhe encaram: “trabalhar não quer, né?”. Melhor ainda: “vais estudar pra sempre? E ganhar dinheiro?”. Sabe as propagandas que o governo tanto coloca por aí dizendo que nunca foi tão fácil estudar no Brasil? Elas são 90% mentira. Porque, sim, uma vaga na universidade é fácil, mas a luta no depois é para poucos, e isso envolve trabalhar em dois empregos, ou em um que lhe tira o dia todo, envolve precisar adiar o sonhado diploma, envolve ter um piso salarial menor do que a mensalidade do que o curso que você faz. Envolve mil e uma coisas. Envolve, inclusive, ouvir dos pais que fazer uma segunda faculdade, por exemplo, é bobagem, porque “quando é que você vai ganhar dinheiro mesmo”? Quando dizemos que queremos algo diferente, somos "abusados", "metidos", "preguiçosos", "inconsequentes".
É preciso entender aqui que as histórias de jovens milionários com 20 anos porque tiveram uma grande ideia são exceções. É preciso lembrar que nem todos sabem desenvolver um aplicativo mirabolante ou conseguem faturar pelo menos R$ 10 mil mensais na internet. É preciso conhecer o próprio potencial, mas será que o mundo nos dá tempo para isso? Se você tem um emprego, mas ele não lhe faz feliz, tem que continuar, porque é um salário, certo? Mas você tem recém 20 e poucos anos, embora viva com o peso de alguém com 40 que tem uma família inteira para sustentar. Você quer se achar, mas o mundo quer te engolir. Você quer mudar, mas a sociedade quer apenas que tenha sucesso cade vez mais e mais rápido. Apesar de vermos a engrenagem da nossa vontade ir se desgastando, a lei diz que a máquina não pode parar. Quando vê, o modo automático já assumiu o controle por você.
Alguns tem ideias, mas não tem dinheiro para fazê-las reais. Outros tem dinheiro, mas não sabem o que fazer com ele. Outros tem a vontade, mas não sabem por onde começar. Ainda há aqueles que tem dificuldades, mas mesmo assim não se importam com o que terão que passar para chegar lá, apesar de ainda não saberem onde fica esse tal “lá”. Ainda ontem em uma conversa de bar com algumas amigas, percebemos que até temos opções para arriscar - porque tudo envolve riscos -, mas não sabemos como escolher, porque o mundo te disse basicamente isso: ou você fica rico ou vai descobrir como ser feliz. E “ser feliz”, para os mais velhos, parece sempre um discurso de jovens que não querem passar nenhum trabalho. Perspectiva, amigos, apenas perspectiva.
Você tem 20 e poucos anos. Fez o que o mundo esperava, e talvez até o que queria, pelo menos a curto prazo. Mas você não vê perspectivas. O mundo não deixa. Você, aliás, quer o mundo, mas nem sempre o mundo parece ser recíproco. Você tem 20 e poucos anos, mas precisa decidir a vida para os próximos 50. Quem disse? Eles, aqueles lá. Você talvez esteja um pouco perdido, o copo está mais cheio de covardia do que coragem de mudar, porque, você sabe, “é preciso ter uma segurança”, diriam seus familiares que adoram opinar. Mas, como diz a frase tatuada pelo meu braço, “ser é perder-se”. Você tem 20 e poucos anos, e essa frase não deveria pesar tanto.
E se o mundo rir da sua "crise dos 20 e poucos", não se esqueça: foi ele mesmo que te colocou nela.
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