Desprendendo-se

- Mark, sou eu, mais uma vez... Nós só queremos saber como você está. Ligue-nos, por favor.

Era a terceira ligação do dia. Arrecém duas da tarde e a secretaria eletrônica já estava decorando os recados. "Mark, apareça". "Como você está indo?". "Cuide-se". Todos eles queriam saber como eu estava, mas eu dispensava essa informação. Era apenas um emprego deixado de lado e eles interpretavam como se eu estivesse desistindo da vida. Ora, não passava de um exagero.

Quando meu chefe virou-se e perguntou calmamente "Mark, o que você está fazendo com a sua vida?", eu soube que era a minha deixa. Eu não sabia o que estava fazendo com a minha vida. O meu ar era de um cansaço extremo fazia meses, e projetava prédios em frente ao computador como se torcesse para cada um deles vir abaixo como uma grande tragédia cinematográfica. Ainda lembro das palavras do meu pai quando soube que eu escolhera arquitetura. "Você acha que esses desenhos vão lhe dar uma carreira?". Sim, pai, eu achava que sim. Não que estivesse errado - essa era uma guerra que eu fazia questão de ganhar -, mas o trem saiu alguns centímetros dos trilhos. Durante a faculdade eu vaguei por aqueles corredores como um sonhador, idealista, querendo projetar uma nova Brasília ou algo grande do tipo. Agora, o que eu estava fazendo?

Colocava umas janelas aqui, umas portas ali e pronto. Desligava a luz do escritório, ia para casa, sentava no sofá e assistia por horas a programação que estivesse passando na televisão. Tornei-me um robô, segundo meu chefe. Não posso culpá-lo pela crítica. Eu mesmo me desvencilhei daquele idealista de anos atrás. "Mark, quando você terá uma família?", insisita a minha mãe em todos os almoços de domingo em família. "Um dia, mãe, um dia", eu prometia. O dia nunca chegava. Eu adiava todas as relações que começava. A hipótese de alguém ocupando o meu sofá, cozinhando com o meu fogão e aquecendo a cama enquanto me esperava, confesso, era um tanto assustadora. "Mas, Mark, você precisa dar um jeito na vida". Preciso, mãe, a senhora nunca erra!

Vou dar um jeito. Vou procurar um emprego que me leve além de janelas e portas, deixar o amor entrar por essas janelas e portas da minha casa que sempre mantenho fechadas e abrir um espaço para novos sonhos no meu sangue cheio de café. Permitirei que alguém invada a minha bagunça e conserte a minha descrença.

Por enquanto, parem de ligar. Recolhi-me porque quis, não por desistência. Acalmem-se. Deixei o emprego, esqueci de pagar as contas e ainda não procurei outro emprego, mas se acalmem! Primeiro me desprendo do passado, para depois me prender ao futuro. Logo mais terei emprego, amor, família e casa nova. Esperem para ver. Mando notícias.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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