Avenida 15 com a calmaria

– O chá de sempre, senhorita? - perguntou Mathias, o garçom que já estava acostumado com a minha presença ali naquelas tardes simples.
– Não, Mathias. Hoje eu quero água.
– Com gelo?
– Uma pedra apenas.

Mathias foi buscar o meu pedido. Muitas das minhas tardes eram passadas ali, naquela cafeteria da avenida 15 fazendo esquina com a rua mais calma da cidade, sendo moradia às minhas leituras preferidas. Eu costumo tomar chá dos mais variados tipos e, vez ou outra, um café quando estava muito frio, tudo acompanhado de algum pedaço de torta. Passavam poucas pessoas por ali, conhecidas então, menos ainda. Era um daqueles ambientes com toque antigo, as paredes com um verniz impecável e os bancos cheios de histórias para contar. Naquele dia eu parecia esperar alguém, como se algo pudesse acontecer ou a vida mudar. Como se num levantar de olhos tudo pudesse acontecer. Resolvi não ler, mas sim escrever. Assim, peguei minha caneta e abri o caderno. O meu mundo imaginário estava iniciando.

– Sua água, senhorita. Não quer doce hoje? - perguntava Mathias, gentilmente.
– Não... Hoje eu quero limpar tudo aqui dentro, Mathias. - ele consentiu com a cabeça parecendo entender muito bem o que eu queria, e saiu.

Eu olhava através das janelas a cada duas linhas que escrevia. Algo poderia acontecer, afinal, a vida estava viva, não é? A vida estava disponível, apesar de um tanto escondida. Hoje escolhi uma água para limpar os sangramentos que os dias passados me fizeram, na esperança de que tudo fosse possível de ser cicatrizado.

Dei mais uma olhada para a rua. Ninguém passava. Eu tinha dessas ironias: ia para os lugares mais remotos e esperava pelos maiores acontecimentos. Creio que, sendo como sou, escondo-me muito, mas isso não me tira o sentir, muito menos o sofrer ou o querer. Todos os verbos moram em mim, todas as palavras me ferem e me curam, e sendo difícil de compreender meu afastamento da movimentação, logo explico: eu gosto é de escutar o vento, não os carros ou gritos. O vento me conta histórias, traz amores, dita os passos futuros. O vento me escuta, e eu escuto ele. Vi muitos vendavais se formarem enquanto sentia a pele arder. Na rua, apenas o vento me fazia companhia.

– Esperando alguém hoje?

Era Mathias. Percebeu meu estado de inquietação.

– Sozinha, novamente, Mathias... Dia após dia.
– Ah, menina, você nem repara quantos olhos te raptam aqui dentro desde sempre.
– Por que eu nunca os enxerguei?
– Porque você vive se escondendo.

Ele tinha razão. Mas o que eu faria, se gostava mesmo era do silêncio e da calma? O que eu faria, se há doses de barulho do passado que me silenciaram? O que eu faria, além de procurar a calma?

– Mathias... - chamei enquanto ele já ia saindo.
– Pois não?
– Será que alguém irá entrar por essa porta?
– Menina... Será que você quer que alguém entre pela porta?

O vento. O vento entrou com força pelas janelas. Será que eu queria companhia? Na avenida 15 com a rua da calmaria, havia somente o vento.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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