Diagnóstico

– Então, o que você tem a me dizer?
– Tomei aqueles remédios que o senhor mandou, doutor.
– E acha que fizeram bem?
– Não sei... – achava que não, mas precisa... enrolar? – Talvez tenham feito sim, sinto-me mais calmo.

Aquelas consultas semanais eram uma espécie de tortura. Apesar de ter um sofá aveludado escuro me esperando, nunca era convidativo como parecia. O psicólogo me encara como se eu fosse louco, querendo me mandar logo para um psiquiatra. Eu o olhava quase adivinhando os mil desastres que ele escondia por detrás daquela face carrancuda. Aquela sala cheia de quadros e livros me dava arrepios. Onde estavam as janelas? Mas o paciente era eu, a conversa era comigo, o adivinhar de problemas era direcionado a mim, e não a ele. Grande coisa. Quem lá sabe o fundo do problema do outro?

– Como foi a semana?

Ele queria mesmo saber? Ou somente perguntou para ver se não tive nenhum surto e me achar mais louco ainda?

– A semana? Foi tranquila... Troquei alguns móveis de lugar em casa. Ficou mais espaçosa.
– Isso quer dizer alguma coisa?
– Como assim? – ele tinha essa mania: tudo queria dizer alguma coisa.
– Você trocou os móveis... Quem sabe não quer deixar a vida mais espaçosa também, moço?
– Não, doutor, ela já está bem cheia de vazios, não se preocupe.

Ele ficou em silêncio analisando-me. Claro que ficaria em silêncio: quis zombar do meu vazio. Que ousadia! Dos meus espaços, sabia eu.

– E o telefone? Anda tocando?
– Uma vez ou outra. Ligaram do meu trabalho esses dias. Disseram que posso ter mais uma semana de férias.
– Isso é bom. Já pensou o que fazer?
– O mesmo: trocar móveis e aumentar vazios.

Dessa vez eu estava ganhando, ele sabia disso. Eu também sabia ter humor, ainda que negro, mas sabia.

– E os amigos, como andam?
– Vão bem. Convidaram-me para alguns passeios, mas eu estava cansado demais.
– E a família?
– Minha mãe ligou algumas vezes. Preocupada, coitada, em saber se eu estava fazendo as compras corretamente.
– Ninguém especial?
– Não... Bem, talvez o cachorro que agora vive lá na rua. Ele anda tão magrinho, doutor! Costumo deixar um pote de água e comida para ele na esquina. Parece uma boa companhia.
– E alguém a mais para fazer companhia? – onde ele estava querendo chegar?
– O gato da vizinha que vive lá pelo pátio. Mas não gosto muito de gatos, apenas dele.
– E para sair, ninguém?
– Saio pouco, doutor. Vou ali na padaria da outra quadra, no parque da outra rua olhar o movimento e pago algumas contas mais urgentes que o salário permite, sabe como é. Faço bem sozinho.
– Mas... E o amor? Nada?
– Ah, era isso: o amor! Não, nada, nadinha.
– Nada mesmo? – ele me encarava com aquela expressão de quem havia diagnosticado o fundo do meu problema.
– Eu pedi dispensa faz tempo, doutor.

Quem sabe ele estivesse ganhando agora, mas nunca saberia. O fundo era fundo demais para ele saber.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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1 comentários:

  1. Ei Camila! Preciso lhe dizer que sou absurdamente apaixonada por tudo que escreve. Super sigo seu tumblr, há bastante tempo, e nunca vi ninguém igual a você que passa tanta paz escrevendo e ao mesmo tempo essa intensidade louca e deliciosa, na verdade acho seus escritos tão bons quanto os do Caio Fernando e bem, adoro ele.
    Esse seu texto foi ótimo, senti ele todo.
    Te admiro demais Camila, só pra você saber. Te admiro demais!

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