Ainda há coisas para te dizer

Há quase um ano que cigarro algum toca na minha boca. Agora é a vez da bebida, que também foi eliminada de mim. Você pode achar tudo sem graça, menina, mas quis me libertar de qualquer vício. Olhava a vida pela janela e pensava o quão prazeroso haveria de ser viver na liberdade, no ir ao vento sem parar para acender um cigarro que comia os meus pulmões pouco a pouco. E a bebida me tirava da lucidez, o que começou a me trazer medo: quem eu era, afinal, na sobriedade? Eu precisava me descobrir, menina, na liberdade, na libertação.

Você não sabia disso, correto? Ah, não prestou atenção em nada do que já lhe falei ou escrevi... Não prestou atenção enquanto eu negava copos no canto daquela festa escura onde os meus olhos, mais uma vez, juntavam-se ao negro do ambiente. Mas eu me descobria mais saudável, ao menos. Pelo menos na madrugada, pois segui me alimentando desregradamente - aposto que você também não reparou nisso. Menina, das mil coisas que eu gritei para ti com os meus olhares perdidos, você escutou alguma? E das cartas e mais cartas que te fiz ler sem saber que eram minhas, você leu? Você me reconheceu?

Contei a você sobre o cigarro e a bebida por dois motivos. Um deles é para saberes de mim, embora não a veja querendo saber. O outro é por mostrar a você que eu quis a liberdade, distância dos vícios, principalmente os que me faziam fugir da dor que eu precisava compreender para ir adiante nesta vida. Acontece, menina, que você estragou os planos tão bem traçados. Falando de vícios, surge você. Brinquei de te querer vivendo mais perto e descobri que liberdade é ilusão, loucura de quem não entende da vida, porque encontrar alguém, menina, é querer viver eternamente numa bela prisão em um coração todo aquecido. Mas o seu, gélido e espantado, mal me quer.

Todos os dias eu teimava em não desistir. Ia por ruas e ruas desta cidade procurando algum sol que me trouxesse calor, eu, um rapaz novo com o cabelo desajeitado e os sapatos gastos, queria calor fora de ti, que fosse! Mas o teu inverno vivia a me gelar sem qualquer alternativa. Você é pior do que cigarro ou álcool barato que pega direto no sangue, menina. Você pega no coração, um desgraçado que bate todo descompassado e desobediente. E sinto que nada irá parar por aqui. Eu vou escrever mais mil cartas pra você e esconder na gaveta. Vou ir até a sua casa e não tocar a campainha. Vou fazer poesias com os teus olhos, que nunca as lerão. Vou invadir alguma noite sua de calmo sono e ser o vento que entra devagar pela ponta da janela. Eu vou ser a covardia de te amar sem me mostrar. Porque me expor a ti, dói vidas que ainda nem vivi.

Salvo o pulmão e o fígado. Mas de você, quem me salva?
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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