Não (te) posso

Fico pensando que já não posso pensar. Treinar meu pensamento faz parte da rotina que não me acostumo. Não é pela música bonita que tocou no rádio ou o texto melodramático que li sem querer quando o olho escapou do controle. É porque te quero, mas não "te posso". Não posso. Você: eu simplesmente não posso.

Não mais. Não nesse tempo cheio de raios e tempestades onde eu peguei a chuva, o resfriado, superei a pneumonia e... nenhuma maca de hospital me dói o corpo como você me dói todo resto. A minha cabeça sai de mim e meu coração, de fato, nunca esteve por aqui. Meu caso perdido, perdidinho, quase não tem jeito. Eu sou quem insiste solitariamente na batalha, quem me diz que a solidão é, sim, uma boa ideia para o momento, que você não era tudo o que acreditei ser, que nós não éramos metade da força que imaginava sermos. Eu sou quem insiste em pensar que não te posso viver, porque você, na bem da verdade, já morreu por aqui.

Os planos não foram os maiores problemas. Problema mesmo foi a incompreensão, as meias palavras, o não-dito por cima do dito, você em outro mundo enquanto eu ainda tentava proteger o nosso. O problema foi a cegueira do meu coração. É que eu acreditava que amor bom era amor vivido sem óculos, com a retina desgastada como fosse, não com lentes protetoras. A minha inocência foi te amar, e amar num passado que não tem fim. Nos dias mais estranhos ainda me vejo querendo voltar para casa (você). Ainda quero ouvir sua lista imensa de reclamações, sua vontade de comida japonesa na quarta-feira, seu ódio pelas segundas, aguentar seu humor oscilando, suas risadas enquanto assistia televisão, sua voz cantando qualquer coisa, seus medos do que a vida reserva, suas manhas, seus bocejos, seus sonhos que ainda eram meus. Eu odeio amar a sua parte que me feriu.

Acreditava que, se fosse eu, se fosse realmente eu e mais ninguém, você diria. Quer dizer... Diria, não é? Largaria tudo. Eu gostava de acreditar nisso durante as semanas que se passaram. A ficha caiu, o impacto foi absorvido e entendi o que todos tentavam me mostrar: você não queria ficar. Eu já não importava nessa história. Fui ficando para trás, como um destino natural. E eu ainda queria te falar daquela primeira vez que jamais se repetirá... Falar de mim, do que vi e senti. De tudo o que você não vai me ligar pedindo para ouvir e dizendo finalmente que não dá, eu sou o teu amor, teu caso mal resolvido que só se resolve junto, teu espinho, teu alívio, tua fuga, teu destino. Mas agora, pra ser feliz eu preciso me desvencilhar de mim para nunca mais enxergar os pedaços de ti.

Todo dia eu vou bem... Até você. Até a lembrança tomar conta de mim com a sua música preferida no rádio, sua foto perdida na carteira, a carta escondida pelo quarto, o presente que não perde o seu cheiro ou o que quer que seja. Tento pensar que você já não é mais você e as coisas andam bagunçadas demais para eu ter outro alguém comigo agora. Tento achar poréns nas suas mentiras e covardia, nos seus atos e abandonos, mas meu peito ainda falha quando escuta seu nome

Se quiser ouvir falar de saudade, me liga. Mas liga porque não me esqueceu, não porque o tédio ficou grande. Tudo o que treinei para esquecer só me trouxe textos sobre o que ficou por ser. Tanto tempo depois já não deveria ser mais um sobre você.
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Autor: Camila Costa

Dizem que "essa guria tem uma caneta no lugar do coração". É gaúcha, jornalista e quase adulta com 23 anos. Um dia chega lá.
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